sábado, 9 de maio de 2009

Reflexão crítica sobre os REA: potencialidades, oportunidades, riscos e desafios mais significativos

O uso da tecnologia no ensino é, actualmente, uma realidade incontornável e de inexequível retrocesso. Não saindo em defesa do determinismo tecnológico, mas, antes, da corrente accionalista, concordamos com Siemens e Tittenberg (2009: 53) quando afirmam que o maior desafio para os líderes e administradores da Academia é, precisamente, redefinir o seu papel (da academia) no mundo em constante mudança e em hiper-conectividade. Mas não compete apenas a estes o papel de combater em favor da proliferação de Recursos Educacionais Abertos (REA); os coordenadores de departamentos científicos, professores, assistentes e, também, os alunos, desempenham um papel fundamental na transformação do ensino tradicional (face-a-face; presencial) para um ensino com um futuro ainda não totalmente definido... Porquê ainda não totalmente definido? Porque as possibilidades dos REA são tantas que dizer “esta é a ferramenta a usar”, ou “as aulas de cada unidade curricular deverão ser preparadas para um sistema de buffett”, ou mesmo “agora as aulas serão totalmente virtuais! Os alunos nem têm que vir à faculdade!” não só se nos apresenta como um cenário duvidoso, do ponto de vista, sobretudo, da retenção de conhecimentos, como uma banalização, no pior sentido, daquilo que deve ser a academia: um lugar para aprender, cooperando! A este propósito retivemos, aliás, uma mensagem que nos foi marcante ao longo desta pesquisa, do OER Commons – Open Educational Resources: «Learning is Sharing»! Nem mais!
As próprias teorias do capital humano desenvolveram esta noção de partilha: o valor potencial do capital humano só pode ser realizado, não apenas na decorrência da sua existência, mas caso haja cooperação das pessoas, i.e., sem partilha do Saber não se gera Conhecimento! E esta é uma ideia que perpassa todo um conjunto de sociólogos e interessados nestas matérias, desde
Alain Touraine (que considera que a educação é o instrumento viabilizador do conhecimento, sendo este último o actual factor gerador de riqueza), Daniell Bell (relevando o papel da informação, mas considerando a expressão Sociedade pós-industrial um conceito mais abrangente para caracterizar as transformações decorrentes da Sociedade Industrial), Alvin Toffler (e a sua famosa Teoria das Vagas salienta, entre outras característica da sociedade da 3.ª vaga a utilização de uma base tecnológica mais diversificada), Manuel Castells (e o conceito de Sociedade em Rede, ou Network Society, releva a ideia que as redes constituem a nova morfologia social das nossas sociedades), passando por John Naisbitt (do qual destaco a seguinte frase sobre o que considera ser a Sociedade da Informação: uma combinação de «high tech and high touch, matching each new innovative technology with a compensatory human response») e Frank Webster (para quem a Sociedade da Informação é «a society in which the creation, distribution, diffusion, use, integration and manipulation of information has a significant economic, political, and cultural activity. The knowledge economy is its economic counterpart whereby wealth is created through the economic exploitation of understanding»), e no âmbito mais específico na UE – União Europeia, o Livro Verde para a Sociedade da Informação.
Antecipadamente, declaramo-nos “fãs” dos REA, ou seja, nesta reflexão das potencialidades, oportunidades, riscos e desafios mais significativos, já “comprámos” a ideia, pelo que a reflexão sai, à partida, enviesada… Mas procuremos ser o mais imparcial possível, agora que nos revelámos à “turma” do FIEL01 e ao nosso formador José Mota.
Desde inícios do novo Milénio, o interesse pelos REA tem vindo a influenciar a consciência pública de políticos, administradores, académicos e professores, em grande parte devido ao dealbar da nova geração da World Wide Web: a
Web 2.0. Sem entrarmos em grandes especificações, pode afirmar-se que a Web 2.0 começou com o desenvolvimento de uma ferramenta associada ao motor de busca Google, o Gmail. Aliás, as ferramentas disponibilizadas pela Google foram as primeiras ferramentas associadas à Web 2.0, representado assim, o padrão a seguir no desenvolvimento desta nova geração. O Gmail veio provar que é possível utilizar aplicações informáticas através de um browser, o que liberta o utilizador final da obrigação de adquirir (ou pior, da necessidade de piratear) software específico para as suas necessidades. Assim, o utilizador passou a ser livre de escolher não só o seu sistema operativo, como também as aplicações que pretende usar. Para além disso a Web 2.0 oferece, dado estar baseada numa lógica de cooperação e oferta de conteúdos multi-plataformas, todo um processo que está agora aberto à lógica de comunidades que congregam quer profissionais do sector, quer simples utilizadores, o que contribui para minimizar tempos de produção e maximizar a capacidade de resposta. A preparação para o desfio colocado pela Web 2.0 passa pelo aproveitamento da inteligência colectiva dos utilizadores com o objectivo de mais facilmente percepcionar e suprir as suas necessidades. Todo o processo funciona numa lógica “criação rápida, desenvolvimento simples, publicação imediata”. Mais ainda, dado que o desenvolvimento da Web 2.0 está assente num conjunto de ferramentas de fácil utilização, largamente disseminadas, tudo está aberto à colaboração por parte de qualquer elemento da comunidade. Isto implica que, mais do que nunca, o utilizador detém o poder e é a sua experiência e grau de satisfação que realmente interessam, o que vem aumentar a necessidade de avaliação efectiva do seu índice de satisfação. A importância reconhecida à Web 2.0 está, aliás, bem expressa no Relatório da Conferência de Sevilha, realizado em 29-30 de Outubro de 2008, sob o título «Learning 2.0: The Impact of Web 2.0 Innovation on Education and Training in Europe».
Mas, afinal, o que são os REA? Qual é o seu papel na Academia, no ensino em geral? Um meio para um fim, ou um fim em si mesmo?... Confessamo-nos mais adeptas da primeira opção. Em todo o caso, porque o rigor se impõe, deixamos algumas definições, apesar de, como refere
Ilkka Tuomi, a definição de um conceito depende da sua utilização e da comunidade que usa o conceito, todavia, torna-se necessária sempre que diferentes actores trabalham conjuntamente (Tuomi: 2006: 35-36) - como nós, no FIEL01:
«
Open educational resources are open resources that are also resources for learning. (…) We can define open educational resources as:
Open educational resources are accumulated assets that
1) enable development of individual or social capabilities for understanding and acting
and
2) can be enjoyed without restricting the possibilities of others to enjoy them
and which either
3) provide non-discriminatory access to information and knowledge about the resource
4) generate services that can be enjoyed by anyone with sufficient non-discriminatory capabilities
5) can be contributed to by anyone, without restrictions that exceed the norms of open science
.» (Tuomi: 2006: 35)
Para além desta possível definição, julgamos relevante a apresentada por Siemens e Tittenberg (2009: 46):
«OERs are materials made freely available online for educators and learners to use, repurpose, and extend.» Ou seja, REA são mais do que "ferramentas de aprendizagem" ao dispor da comunidade académica. Poderíamos, até, questionar o seu valor (económico e pedagógico) sobretudo a partir das experiências do MIT, quando começaram a disponibilizar os seus materiais de aprendizagem, de forma livre, mas, tal como proliferado pelas teorias do capital humano a importância acrescida do ser humano como utilizador e fonte de capital, relativamente aos outros recursos, valoriza a capacidade de associação e as suas consequências sinérgicas, as quais dizem depender do modo como a comunidade partilha normas e valores e é capaz de subordinar os interesses individuais aos do grupo.

E porque (uma vez mais) o texto já vai longo, quanto às potencialidades dos REA são imensas! Para além da multiplicidade de escolha (wikis, vídeos, blogs, social networking software - como o Diigo ou o Delicious, image sharing - como o Flickr, partilha de power points - como o SlideShare, partilha de documentos em PDF - como o Scribd, etc., etc., etc.), há que saber selecionar a melhor opção, em função dos objectivos, por exemplo, da unidade curricular, da sua integração no curricula do curso, dos grupos destinatários, dos recursos informáticos disponíveis... Mas há, também, potencialidades de maior dimensão: os REA têm o potencial para afectar os próprios processos de aprendizagem ao promoverem novas formas de colaboração, em particular pode destacar-se:

  • Alterar o foco do ensino para a aprendizagem, numa evolução desejável de "a escola é um local de ensino" para "a escola é um local para aprender" (na tal ideia de passagem de uma atitude passiva, de receptor, para uma atitude activa, de "construtor" do aprendizado);
  • Construir com base no conhecimento partilhado, criando verdadeiras comunidades de aprendizagem e prática;
  • Fornecer uma plataforma para interacção entre profissionais de todo o mundo, entre estes e os seus alunos, entre instituições universitárias;
  • Permitir aos estudantes gerar novos contextos de aprendizagem (e não apenas conteúdos), provando que a aprendizagem reflexiva transforma o próprio processo de ensino;
  • Identificar áreas que podem beneficiar de intervenções políticas no sentido do reforço dos ideias do Life Long Learning;
  • Cultivar a auto-aprendizagem, a aprendizagem cooperante e a autonomia (tanto dos indivíduos como das organizações, no sentido da responsabilização pelos resultados);
  • Suscitar novas formas de inclusão pela proliferação dos REA contribuindo para um verdadeiro espaço europeu de ensino (superior, mas não só);
  • Gerar estratégias que enalteçam a equidade e a inclusão pela facilidade de acesso à informação.

As oportunidades decorrem, em parte, das potencialidades já enunciadas. Claro que as apontadas encerram uma visão puramente optimista, sem dificuldades de concretização, mas todos sabemos que, por vezes, nem sempre os processos e as pessoas evoluem dessa forma desejável... Ainda assim, pensamos que os REA constituem a oportunidade para criar um 3.º espaço de aprendizagem. A escola e a casa são espaços de ensino; os REA criam o 3.º espaço, acessível onde, da forma e quando se quer! Os REA abolem as paredes das salas de aulas, removem barreiras geográficas, concorrem para a proliferação e partilha do Conhecimento, geram riqueza, por que, afinal, o Conhecimento é um bem público que deverá estar acessível a todos, sem excepção. Como antes dissemos, corremos o risco desta nossa reflexão sair enviesada pela adesão aos REA, mas cremos que esta é uma oportunidade real, de ser alcançável, com empenho, por certo, e muita determinação.

Claro que "não existe bela sem senão", e se as potencialidades e oportunidades podem ser enumeradas quase sem fim, existem, também, riscos, ou melhor obstáculos, associados à sua utilização e implementação:

  • A questão do reconhecimento das certificações obtidas através de formações puramente em ambientes virtuais é uma das "fragilidades" realçada por alguns documentos (ver referências bibliográficas);
  • Os direitos de propriedade intelectual em relação aos conteúdos pedagógicos disponíveis na Internet é outros dos "riscos" apontados (ainda que neste ponto hajam diferentes níveis de copyright, de acordo com a consulta aos diversos REA enunciados por Ilkka Tuomi (2006: 37-44);
  • O facto de haver desigualdades no acesso às tecnologias constitui um dos entraves à desejável inclusão antes aludida e pode, até, gerar novas formas de exclusão: nem todos são detentores das mesmas digital skills;
  • As tão afamadas dificuldades financeiras das instituições do ensino superior podem representar um obstáculo concreto ao investimento em hardware e, por conseguinte, inviabilizar o recurso às tecnologias open source (caricaturalmente, o Moodle não "funciona" se não houver PC's! operacionáveis);
  • As ferramentas de aprendizagem podem tornar-se "apenas" repositórios institucionais de recursos educacionais, em vez de ferramentas de aprendizagem livremente disponibilizados a toda a comunidade académica (veja-se, a título de exemplo, o caso da LionShare em que tem que se ter uma "test user account" para fazer o download dos materiais disponíveis e onde se levantam algumas restrições mesmo em relação ao material que se coloca para partilha)

Há, assim, ainda, um longo caminho a percorrer para se alcançar a verdadeira sustentabilidade dos REA. O futuro das universidade e dos futuros modelos de ensino devem, antes de mais, acompanhar a evolução da própria Sociedade: estamos em plena Sociedade da Informação e esse é um dos desafios mais significativos, ou seja, há que entender os REA não apenas como introdução de novas ferramentas, mas apostar na alteração deste "antigo" paradigma que constrange a academia a uma cultura (ainda) de um certo "imobilismo" e resistência à mudança. Como referiu Michael Wesch, no vídeo disponível na nossa página de curso, o professor tem que deixar de representar a "autoridade" e ganhar credibilidade e isso é atingível quando concretizamos a representação que fazemos dos alunos de "consumidores" (passivos) para "produ-sumidores" (actores intervenientes activos na construção do conteúdo do que se ensina). Claro que muitos nos podem apelidar de idealista, ou, até, irrealista, mas acreditamos que «Learning is Sharing» e que, perante os alunos, para ganharmos credibilidade, temos que não dizer (apenas) as respostas, mas, antes, inspirar boas perguntas!


Referências bibliográficas:

  • Ala-Mutka et al (2008) Learning 2.0: The Impact of Web2.0 Innovation on Education and Training in Europe. Disponível em http://ftp.jrc.es/EURdoc/JRC50704.pdf. Acesso em 30.Abril.2009
  • Siemens, George; Tittenberg, Peter (2009) Handbook of Emerging Technologies for Learning. Disponível em http://umanitoba.ca/learning_technologies/cetl/HETL.pdf. Acesso em 29.Abril.2009.
  • Tuomi, Ilkka (2006) Open Educational Resources:What thei are and why do they matter. Report prepared for the OECD. Disponível em http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/mod/resource/view.php?inpopup=true&id=109481. Acesso em 29.Abril.2009.
  • Ah! Não posso deixar de referir o valioso contributo do meu querido Amigo Dr. Amável Santos que gentilmente me disponibilizou as preciosas informações sobre a Web 2.0, retiradas na sua tese de mestrado e de algumas conversas ao fim do dia... Obrigada, Amável!!!

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